A pílula aumenta o risco de cancro da mama? E o stress? E a carne processada? No mês da prevenção da doença, duas especialistas falam sobre os fatores de risco cuja associação ao cancro está comprovada e aqueles que ainda carecem de confirmação.

 

o mais frequente entre as mulheres e a principal causa de morte entre os 35 e os 55 anos no sexo feminino. Todos os anos se registam entre cinco e seis mil novos casos de cancro da mama em Portugal. Sabe-se que 5% a 10% têm origem genética, mas desconhecem-se as causas exatas dos restantes 90%. Ao longo dos anos, elementos como as hormonas, a alimentação, o sedentarismo ou a obesidade têm vindo a ser associados ao cancro da mama, mas não é possível dizer que algum deles seja causa direta da doença. Além disso, nem todas as associações estão comprovadas pela ciência.

 

"A maior parte dos cancros da mama são doenças multifatoriais, mas não sabemos exatamente a causa. Se existisse uma só causa, seria mais fácil encontrar a cura", diz ao DN Fátima Cardoso, diretora da Unidade da Mama do Centro Clínico Champalimaud (CCC), a propósito do Dia Nacional da Luta contra o Cancro da Mama, que se assinala nesta terça-feira. Existem alguns fatores de risco, mas a existência desses elementos não quer dizer que a pessoa vá necessariamente confrontar-se com a doença. "Há quem tenha vários fatores de risco e nunca desenvolva cancro, tal como há quem tenha a doença mas não tenha nenhum fator de risco", ressalva a especialista.

 

Cancro é uma doença do nossos genes

 

O cancro não é uma agressão externa. "É uma doença dos nossos genes, que todos os dias sofrem agressões, como o sol, o tabaco ou a poluição. O nosso sistema está feito para que haja uma correção dessas alterações, mas, quando são de uma ordem de grandeza que ultrapassa a capacidade de o corpo as corrigir ou quando existe uma falha no sistema de correção [como nos cancros hereditários], acumulam-se alterações nos genes. As células ficam tão alteradas que se tornam malignas", esclarece Fátima Cardoso.

 

As células normais nascem, diferenciam-se - tornando-se especialistas a exercer determinada função - e, ao chegar a determinada altura, morrem naturalmente. "As células malignas perdem a sua capacidade de se diferenciar e concentram todas as suas forças a crescer, a multiplicar-se. Ganham a capacidade de ser imortais", explica a investigadora do CCC. Assim, prossegue, "há fatores de risco que ou aumentam as agressões às células ou alteram a capacidade de correção dessas mesmas alterações".

 

Genes, idade, género e hormonas

 

Apenas se pode falar em causas do cancro da mama quando a doença é hereditária. Para 5% a 10% dos casos há uma causa genética - como a alteração no gene BRCA - que aumenta em até 80% a probabilidade de uma pessoa sofrer da doença. Nesses casos, quando se sabe que se tem a mutação genética, podem tomar-se algumas medidas preventivas, como as cirurgias profiláticas, prevenção através de fármacos ou vigilância proativa. De resto, o que existe são fatores que aumentam a probabilidade de ocorrência da doença.

 

A idade e o género são fatores generalistas, amplamente aceites pela comunidade científica. "Sabe-se que o cancro da mama é bastante mais provável na mulher e que, apesar de ter aumentado a deteção em mulheres mais jovens, a possibilidade de ter a doença aumenta com a idade", diz ao DN Catarina Santos, especialista em cirurgia oncológica da mama no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa.

 

Os fatores relacionados com o ambiente hormonal também são assumidos pelos especialistas como comprovados. "Quanto maior exposição a hormonas femininas - estrogénio e progesterona - a mulher tiver, maior a probabilidade de ter cancro da mama", refere a médica-cirurgiã. Por isso, prossegue, "quanto mais precoce a menarca [primeira menstruação] e mais tardia for a menopausa, o que implica mais ciclos ao longo da vida", maior é o risco de vir a desenvolver cancro da mama.

 

Não ter filhos e não amamentar também são fatores de risco confirmados. A explicação, refere Fátima Cardoso, está relacionada com o facto de a mama só se desenvolver completamente quando a mulher tem uma gravidez que é levada a termo, ou seja, quando a mama forma leite. "Nessa altura, as células da glândula mamária completam a sua diferenciação. E, quanto mais especializada é a célula, menos se divide. Por isso é que a gravidez e o aleitamento são fatores protetores da doença."

 

A gravidez e o aleitamento são fatores protetores da doença

 

Já a terapêutica hormonal de substituição, usada para atenuar os efeitos da menopausa, aumenta o risco de uma mulher vir a desenvolver cancro da mama. "Se for mesmo necessária, recomendamos que não se tome durante mais do que cinco anos", afirma a diretora da Unidade da Mama do CCC.

 

Os tratamentos de fertilidade e a pílula são, segundo Catarina Santos, "fatores que ainda são discutíveis, mas cada vez surgem mais evidências de que podem estar associados a esta patologia". Como existem poucas décadas de utilização de ambos, não há estudos conclusivos. "Começam, no entanto, a surgir dados que mostram que uma exposição prolongada à pílula anticoncecional pode estar associada a um aumento do risco", indica a médica-cirurgiã do IPO, ressalvando que esse risco parece desaparecer no momento em que a toma é suspensa - o que geralmente acontece nas idades em que o cancro não é tão frequente.

 

Sobre a pílula, Fátima Cardoso destaca, ainda, que "sofreu uma grande evolução ao longo dos anos, sendo que, com as novas, o aumento do risco é muito limitado". Por outro lado, apresenta benefícios ao nível da prevenção do cancro do ovário, o que acaba por "anular" os perigos para o cancro mama.

 

Alimentação, stress e depressão

 

É difícil fazer estudos na área da nutrição e do cancro, razão pela qual, segundo as especialistas consultadas, há muita desinformação sobre o tema. Não raras vezes, surgem estudos a associar o consumo de determinado alimento ao aparecimento da doença, mas, por agora, não existem provas científicas de que algum alimento seja protetor ou causador do cancro da mama.

 

Já neste mês, por exemplo, um estudo de investigadores da Escola de Saúde Pública TH Chan de Harvard, nos Estados Unidos, publicado no International Journal of Cancer, concluiu que as mulheres que ingeriram altos níveis de carne processada, como bacon e salsichas, tinham mais 9% de risco de contrair cancro da mama do que aquelas que comiam pouco esse tipo de alimento.

 

Catarina Santos afirma, no entanto, que, embora existam várias suspeições, "não há nenhum alimento que se tenha demonstrado como sendo um fator de risco". "Não há evidências demonstradas", sublinha, destacando que existem alguns aspetos de alimentação que podem pesar. "Se contribui para a obesidade ou se tem uma dose elevada de hormonas adicionais, acaba por condicionar, mas não há nenhum alimento em particular que se assuma como um fator de risco significativo."

 

Também é comum ouvir dizer que o consumo de açúcar está relacionado com o aparecimento da doença. "Ouve-se que as células tumorais se alimentam de açúcar, mas não são só as tumorais. São todas. Tudo o que comemos é transformado em determinado tipo de açúcar que as células podem metabolizar, mas isso não é específico das tumorais", alerta Fátima Cardoso.

 

"Ouve-se que as células tumorais se alimentam de açúcar, mas não são só as tumorais. São todas.

 

Existem também teorias que relacionam o stress e a depressão com o desenvolvimento de tumores malignos na mama. "Todos conhecemos pessoas nas quais o cancro apareceu depois de uma situação muito difícil na vida, como a perda de um ente querido ou uma doença prolongada. Não se pode dizer que esteja totalmente entendida a razão pela qual isso acontece, mas suspeita-se de que pode ser porque o stress e a depressão afetam o sistema imunitário", avança a investigadora do CCC.

 

Inatividade física, obesidade e tabaco

 

A inatividade física não é uma evidência clara quando falamos de fatores de risco para o cancro da mama. "Mas os principais estudos mostram que, para quem já teve cancro, o exercício diminui o risco de recidiva da doença. Não evita que a pessoa tenha cancro, mas é sempre bom ter uma vida saudável, porque faz que a saúde seja globalmente melhor", prossegue.

 

Embora não esteja provado como fator de risco inequívoco, a obesidade também tem sido relacionada com um aumento da incidência desta patologia. Segundo Catarina Santos, é tida como um elemento importante nas sociedades ocidentais. "Nesta área, existem vários fatores em estudo, um deles relacionado com o tecido adiposo. É aí que são produzidas as hormonas femininas após a menopausa, pelo que ser obeso tem esse inconveniente: a pessoa tem mais bem-estar porque tem mais hormonas, mas tem mais exposição hormonal, o que pode ser um contributo para a doença", refere a especialista em cirurgia oncológica da mama.

 

O cancro da mama não é dos que estão mais associados ao tabaco - como o do pulmão, por exemplo -, mas este também pode ter alguma influência no desenvolvimento da doença. "Faz mal quando as mulheres começam a fumar muito jovens (sobretudo na adolescência), porque a mama não está completamente desenvolvida. A agressão do tabaco nessas idades tem um impacto maior porque a glândula mamária ainda está imatura", avança Fátima Cardoso.

 

Outros fatores associados

 

Segundo Catarina Santos, existem outras condições associadas a esta patologia, como a existência de história familiar (independentemente de existir ou não uma causa genética), a exposição a radiação para tratamento de outros tumores e a existência de lesões benignas na mama.

 

Atendendo aos fatores que se sabe que podem aumentar a probabilidade de ocorrência do cancro da mama, Fátima Cardoso reconhece que "há alguns estilos de vida que podem ajudar a diminuir o risco", mas "não podemos evitar que o cancro nos bata à porta". No entanto, termina com um alerta: "Há uma coisa que todos podemos fazer que tem uma importância enorme na sobrevida, que é o diagnóstico precoce. Quanto mais precocemente for detetado, maiores as probabilidades de cura. Esteja atenta aos sinais de alarme, recorra ao médico de imediato e faça a mamografia regularmente."

 

In “Diário de Notícias de Lisboa”