É a última paragem para muitos. Na Unidade de Cuidados Paliativos, a realidade é fria e foi isso que demonstrou a coordenadora Licínia Araújo, que deu a conhecer este local onde são controlados os sintomas dos doentes que recebem diagnóstico de incurabilidade.

Aquilo que é importante é reduzir a dor, a náusea e o vómito, sabendo provavelmente que aquela tensão arterial vai continuar sempre baixinha, porque realmente o coração está a dar sinal que irá parar”. Foi desta forma que Licínia Araújo começou por descrever o seu trabalho.

Reconhecendo que a palavra 'paliativo' está associada ao pensamento que os últimos dias estão próximos, a profissional garante quem nem sempre é isso que se verifica: “temos doentes que recebem cuidados há quatro ou cinco anos”, disse Licínia Araújo, explicando que o objetivo da terapia é não deixar que a doença progrida.

“Neste momento, temos 40 e tal doentes estáveis e em regime domiciliário”, ressaltou a médica, esclarecendo que são eles próprios, ou os familiares, que contactam o SESARAM perante um agravamento do seu estado de saúde.

A AUDIÇÃO É O ÚLTIMO SENTIDO

E ao receberem o diagnóstico de incurabilidade, as reações divergem consoante as histórias de vida. Quando são pessoas mais jovens pode tornar-se mais difícil, pois questionam quem irá manter a educação dos seus filhos e qual será o seu futuro, assegurou a responsável. “Claro que sim, os doentes ficam tristes. Mas tristes não quer dizer que estejam deprimidos. Às vezes pensamos que um doente paliativo é um doente deprimido, mas a depressão é assinalada entre 15 a 30% do contexto dos doentes que são acompanhados em cuidados paliativos”, mencionou Licínia Araújo. “Nos cuidados paliativos não somos cruéis, mas aquilo que o doente quiser saber informamos da forma mais adequada e ajustada (…) [pois] se o médico não o referir pode haver coisas que o doente deixa por tratar”, acrescentou.

A encarregada desta unidade lida também com situações em que o utente não quer saber qual é o seu diagnóstico e, nesses casos, os profissionais deixam a porta aberta para que este reflita e, num momento posterior, acaba por querer saber qual é o seu estado de saúde.

Licínia Araújo destaca a importância do apoio da família, sendo que os doentes que não a têm “sentem-se mais abandonados”. Mesmo nos casos em que o doente já não responde, a médica refere que a audição é o último sentido que ele perde, motivo pelo qual é necessário ter cuidado com as conversas que se tem em redor do mesmo.

“Temos de dar valor às famílias que estão presentes e que se desdobram”, disse também a médica, elucidando que são estas que conhecem os hábitos dos doentes e garantem o seu conforto.

Quando chega o momento da despedida, “há familiares que não querem estar presentes” e “às vezes os próprios doentes só conseguem morrer quando os familiares saem”, refere a terapeuta que tem também o dever de apaziguar os familiares, aos quais explica que “muitas vezes é o doente que escolhe esses momentos e é difícil morrer na presença daqueles que mais gosta”.

 “NÃO TENHO CAPACIDADE DE RESPOSTA”

A profissional considera que seriam necessários mais recursos na comunidade para dar mais suporte às famílias, desde as ajudas domiciliárias, às instituições.

“Se fosse para dar resposta a todos os doentes com necessidades paliativas, no global, não conseguiríamos, nem há especialistas em todo o mundo para o conseguirem fazer”, acrescentou Licínia Araújo, sublinhando que deve haver mais enfoque na “formação pré e pós-graduada”.

 Mas nem tudo é negativo nesta unidade do SESARAM, que recebeu em janeiro de 2017 a acreditação da qualidade de nível bom da Direção-Geral de Saúde. E para isso, toda a equipa teve de contribuir com uma melhoria contínua dos serviços. “Há assim um maior cuidado de tudo, desde os registos clínicos que têm de ser minuciosos, a determinados parâmetros obrigatórios”, ressaltou Licínia Araújo, exemplificando com os inquéritos de satisfação que permitem aos profissionais receber críticas e sugestões.

A Unidade de Cuidados Paliativos conseguiu também, desde maio, reduzir o tempo de espera de 26 para 15 dias. “Angustia-nos quando nos ligam a dizer que o doente não está bem, mas eu não tenho capacidade de resposta. Os pedidos de acompanhamento domiciliário têm aumentado e este ano já vão nos 230 e tal doentes”, salientou a médica.

Licínia Araújo explicou que, para além de si e outra médica que trabalham a tempo inteiro, laboram neste espaço quatro médicos em tempo parcial. Este ano, haverá também um reforço de 11 para 13 enfermeiros, dotação mínima para a unidade.

Ocupam também funções um assistente social a tempo inteiro e um psicólogo, que presta apoio aos doentes, aos seus familiares e à equipa de profissionais. Este profissional terá também a responsabilidade de identificar situações de lutos patológicos, entrando em contacto com as famílias passados 14 ou 15 meses após o óbito.

Para reduzir o esgotamento, a equipa tem uma forte comunicação e promove momentos de convívio, como jantaradas e caminhadas na serra. “Há quem pense que nestas equipas existe muito 'burnout' e se calhar não corresponde à verdade porque trabalhamos de uma forma interdisciplinar”, concluiu Licínia Araújo.

“Não conseguíamos dar resposta a doentes agudos porque a cama estava ocupada”

A coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos, Licínia Araújo, diz que o mais difícil foi terem cinco altas problemáticas a ocupar 11 das camas disponíveis.

“Tentámos explicar a algumas famílias que não conseguíamos dar resposta a doentes agudos - como era o seu familiar - porque a cama estava ocupada. Angustia-nos quando os doentes têm de ir ao Serviço de Urgência porque não têm disponibilidade de internamento”, acrescentou.

“Às vezes temos outros serviços a pensarem que os cuidados paliativos são um lar, por desconhecerem o que é uma unidade de agudos.

Mas se está no internamento hospitalar, tem uma alta médica e está estável, também não é para nós”, concluiu.

Cláudia Ornelas

In “JM-Madeira”