A directora clínica do SESARAM, Regina Rodrigues, não nega a falta de médicos em algumas especialidades e o necessário recurso à prestação de serviço (que custa meio milhão de euros por ano) e admite que as horas extra são mais imprescindíveis

 

Todos os dias, para assegurar a escala de trabalho no Serviço de Urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça, é necessário escalar um total de 82 médicos de todas as especialidades.

 

O número pode parecer elevado, mas tendo em conta que não existe uma outra urgência hospitalar na Região, é preciso garantir que todas as especialidades estejam representadas. Isto obriga a uma difícil ‘ginástica’, por vezes diária, que é agravada com o facto do Serviço de Saúde da Região (SESARAM) ter manifesta falta de médicos em algumas especialidades. Assim, há que recorrer a várias estratégias para que nada falhe no atendimento urgente de toda e qualquer situação

 

A directora clínica do SESARAM, Regina Rodrigues é peremptória: “no caso dos médicos a oferta disponível de recursos integrados no SESARAM não é ainda, pelo menos em todas as especialidades, suficiente para colmatar a totalidade das necessidades verificadas”.

 

Como tal, e porque não é possível dar uma resposta imediata às deficiências estruturais de algumas áreas para satisfazer as referidas necessidades do Serviço de Urgência, nos últimos anos o SESARAM viu-se obrigado a recorrer à prestação de serviços. É isso que acontece em especialidades como a Ortopedia, a Neonatologia, a Pediatria e a Psiquiatria (vide destaque).

 

E embora seja o Serviço de Urgência aquele que maior necessidade tem da prestação de serviços, a verdade é que existem outras áreas que também recorrem a este sistema de trabalho. “Também temos em procedimentos muito especializados, alguns deles até urgentes”, diz Regina Rodrigues. “É o caso da Neurorradiologia, em que, para darmos resposta à patologia urgente neurovascular, temos a colaboração de um médico (nos últimos tempos tem sido do Hospital Santo António) que faz equipa com os nossos médicos para resolver estas situações”.

 

Outras áreas há em que é necessária a prestação de serviços especializados de forma programada. “Isto acontece, por exemplo, quando não temos determinados recursos no SESARAM e temos um número de doentes suficientes que justifica que venha um médico”, refere a directora clínica, acrescentando que esta situação tem várias vantagens: “conforto para o doente e respectiva família porque evita a deslocação para fora e, ao mesmo tempo, o serviço mantém a competência, o treino e a formação nesta área. Quer dizer que em muitas áreas não se justifica que o SESARAM tenha estes especialistas, porque o número de casos que temos não é suficiente para ganharmos estas competências”.

 

Há situações destas na Cirurgia Vascular, na Oftalmologia, na Ortopedia, na Cirurgia Geral “ou outros procedimentos que, entretanto, vão surgindo, em outras especialidades como a Gastroenterologia, Urologia, Otorrinolaringologia ... normalmente são as especialidades cirúrgicas”.

 

Em 2017, a prestação de serviços médicos (vinda de médicos ao SESARAM) custou perto de meio milhão de euros, valor a que acresce cerca de 150 mil euros em viagens e alojamento. Este ano, até Abril, o SESARAM já despendeu perto de 250 mil euros (custo da prestação de serviços e das viagens e estadia).

 

Colaboração a título voluntário

 

Além das prestações de serviços e protocolos em vigor, Regina Rodrigues refere que existem ainda várias situações de colaborações a título voluntário. “Temos médicos que, pelas boas relações que mantêm com os seus colegas do SESARAM, se deslocam à Madeira e que colaboram sem pedir o pagamento de honorários. Muitas vezes o SESARAM só tem os custos das viagens e em alguns casos da estadia”, adiada

 

Muitas destas deslocações acontecem ao fim-de-semana, porque estão relacionadas com a disponibilidade dos médicos. “O que significa que obriga a uma reestruturação dos serviços, que normalmente é sempre possível porque percebemos a mais-valia que é e os profissionais do SESARAM disponibilizam-se para a reformulação do horário”.

 

Horas extra com mais impacto

 

A verdade é que a directora clínica salienta que o SESARAM é das unidades do país que menos recorre a prestação de serviços. “A maioria dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde garante o normal funcionamento dos serviços através da prestação de serviços e nós não. A prestação de serviços tem um impacto financeiro menor no orçamento. Por outro lado, temos um impacto maior em horas extraordinárias”, acrescenta.

 

Para conseguir assegurar o normal funcionamento das urgências hospitalares, ou seja uma escala diária de 82 médicos de todas as especialidade, isso só é possível com recurso a horas extraordinárias. “Convém também dizer que os nossos médicos reconhecem a necessidade desta disponibilidade permanente e aceitam fazer, com todos os constrangimentos que isso implica, um número muito elevado de horas extraordinárias, que vai muito para além do número que é obrigatório por lei. E isso é de salientar, porque é preciso reconhecer e agradecer esta disponibilidade.”

 

O máximo de horas extraordinárias que a legislação ‘obriga’ um médico a fazer é de 200 horas por ano. Regina Rodrigues admite que há alguns profissionais do SESARAM a fazer esse total num mês.

 

E acrescenta, que “ao contrário do que a opinião pública possa pensar, a maioria das pessoas preferiria não ter de fazer horas extraordinárias, sobretudo quando estão numa determinada fase da vida, em determinado escalão etário”. A directora clínica recorda que, por exemplo, os médicos com mais de 50 anos não são obrigados a fazer noite, “mas aqui temos um grande número de médicos que o fazem”. Aqueles com mais de 55 não são obrigados a fazer Urgência, “mas se deixassem de fazer seria um grande problema para nós”.

 

“Nós temos de ter a capacidade de incentivar as pessoas para continuarem a fazer esse tipo de serviço, porque precisamos muito. E é óbvio que a única forma que temos é pagando horas extraordinárias”, explica. Ainda assim, admite que poderia haver outro tipo de incentivos, sendo que no ano passado já foi entregue na Secretaria Regional um plano de incentivos para vários profissionais de saúde, incluindo os médicos. Porém, afirma, neste momento ainda não estão reunidas as condições para serem postos em prática.

 

Contratação é privilegiada

 

Regina Rodrigues sublinha ainda que, no que concerne a política dos Recursos Humanos, o SESARAM privilegia a contratação, sobretudo dos médicos que fazem a formação específica (especialidade) na Região. “Esta é uma política adequada e desejável, mas não tem sido suficiente para colmatar todas as especialidades”, diz. As razões são diversas. Não só pelo facto de alguns médicos, no final da formação, optarem por não ficar no SESARAM, mas também porque as necessidades e exigências são outras, face às necessidades da população. “A necessidade de cuidados de saúde aumentou e nós não temos conseguido acompanhar, com as contratações, aquelas que são as necessidades da população, e isto tem sido mais específico nas especialidades que são transversais, nomeadamente a Anestesia, a Imagiologia e outra que são especialidades-âncora, das quais dependem toda a estrutura hospitalar.”

 

Mesmo assim, Regina Rodrigues salienta que nos últimos anos, com o final do PAEF, foi dada maior margem para a contratação de mais médicos. Em 2017, explica, foram celebrados 18 contratos (12 após conclusão de especialidade, 5 médicos assistentes em concurso externo e 1 para um médico aposentado). Este ano já foram celebrados 15 contratos, sendo que está já programada a abertura de concurso interno para mais 44 especialistas (24 na época de Fevereiro/Abril e 20 na época de Setembro/Outubro) e ainda um concurso externo para outros 13 médicos.

 

As contratações serão feitas, nas áreas consideradas muito carenciadas, garante a directora clínica. “Digo isto com muita satisfação. Porque neste momento tenho autorização para ir contratando os médicos consoante eles terminem a especialidade”, acrescenta.

 

A responsável reforça assim a opção clara do SESARAM para privilegiar a vinculação e a contratação de médicos, em detrimento da contratação de prestação de serviços. “O recurso à prestação de serviços acontece nas situações em que seja reconhecida a imprescindibilidade desta situação”, diz. “O que nós desejamos mesmo é o SESARAM seja auto-sustentável e, no momento actual, tenho sentido uma grande abertura para responder às necessidades do Serviço em termos de recursos humanos. É claro que isto leva o seu tempo”, acrescenta, mas o caminho está a ser traçado e está a ser cumprido o plano de contratações que já foi iniciado.

 

Este ano, o concurso externo, por exemplo, vai privilegiar as áreas que têm mais constrangimentos, como é o caso da Anestesia, da Ortopedia, da Psiquiatria, da Imagiologia, da Cardiologia e da Medicina Geral e Familiar. Regina Rodrigues espera que as 13 vagas que serão abertas sejam ocupadas na totalidade.

 

Médicos de fora ajudam SESARAM em 5 especialidades

 

Ortopedia – há dois anos que é cumprido um protocolo com o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e que todos os fim-de-semana permite a colaboração de dois médicos especialistas que colaboram com o Serviço de Urgência.

 

Neonatologia – especialidade que tem uma grande escassez de recursos humanos em todo o país. Por outro lado, no SESARAM existe uma unidade de cuidados intensivos neonatais e pediátricos, particularidade que existe apenas em 3 hospitais do país, “o que faz com que a escassez de especialidades que cumpram estas duas especialidades seja ainda maior”. Normalmente, uma vez por semana, o SESARAM tem a colaboração de um neonatologista de fora. “O ideal é que seja um com formação em cuidados intensivos pediátricos, algo que nem sempre é possível, o que faz com que, os nossos médicos mesmo não estando a cumprir o Serviço de Urgência, tenham uma disponibilidade total para vir ao hospital sempre que seja necessário”, diz a directora clínica.

 

Pediatria – o quadro médico da sofreu algum envelhecimento. Há a necessidade de recorrer à prestação de serviços e, em média, o SESARAM tem a colaboração de dois pediatras, 3 vezes por semana.

 

Psiquiatria - foram contratados dois especialistas desde 2017 e assim foi reduzida a necessidade de prestação de serviços, “mas ainda temos a necessidade de ao longo da escala mensal de precisarmos a colaboração de mais dois médicos psiquiatras e pontualmente de uma outra médica”, esclarece.

 

Cardiologia – em termos de Serviço de Urgência, esta especialidade já precisou de, pontualmente, reforçar a sua escala com recurso a prestação de serviços.

 

In “Diário de Notícias”