A sua função é bombear o sangue para os vasos sanguíneos a fim de irrigar todos os órgãos do nosso corpo. A isso se chama a circulação sanguínea. Gerada pelo coração, fornece aos órgãos o oxigénio e os nutrientes necessários ao seu bom funcionamento. Adicionalmente, transporta de volta os resíduos tóxicos da atividade daqueles, a fim de serem eliminados pela respiração, pela urina ou pelas fezes.

 

A atividade do coração é incansável: pulsa 60 a 75 vezes em cada minuto e desse modo bombeia 5 a 6 litros (o equivalente a um garrafão) de sangue nesse curtíssimo intervalo de tempo. Ao fim de 70 anos de vida o coração terá batido cerca de 2,5 biliões de vezes. E no entanto não pode parar. Se o coração paralisar por mais de 3 minutos morreremos.

 

O que é a Insuficiência Cardíaca?

 

É a incapacidade de o coração bombear sangue em quantidade suficiente para corresponder às necessidades do corpo humano.

 

Esta incapacidade é causada por uma doença que atinja o coração (por exemplo um enfarte do miocárdio). Na verdade todas as doenças cardíacas podem conduzir à insuficiência cardíaca se forem suficientemente graves.

 

A Insuficiência Cardíaca é uma doença maligna

 

No nosso país existem cerca de 380 000 doentes com Insuficiência Cardíaca. Na Europa estima-se que sejam 15 milhões e em todo o mundo cerca de 26 milhões as pessoas afetadas por esta doença. Até 2030 estes números aumentarão em 50%.

 

Esta é uma enfermidade que atinge predominantemente o idoso. A sua frequência aumenta acentuadamente a partir dos 60 anos, afetando uma em cada dez das pessoas com mais de 80 anos.

 

Na Europa é, dentre todas, a doença mais dispendiosa. Nos EUA gastaram-se com a Insuficiência Cardíaca 31 biliões de dólares em 2012 e este número subirá para 70 biliões em 2030. 50 a 70% dos custos são devidos às hospitalizações.

 

Tipicamente, a Insuficiência Cardíaca evolui por surtos de agravamento que necessitam de tratamento em internamento hospitalar e que contribuem para o agravamento progressivo e inexorável da doença até à morte. Por isso 83% destes enfermos são hospitalizados pelo menos uma vez por agravamento da doença. Após a alta de um destes internamentos quase 50% dos pacientes serão hospitalizados de novo por Insuficiência Cardíaca nos 12 meses subsequentes. Na Europa e nos EUA esta doença é a primeira causa de internamento nas pessoas com mais de 65 anos. Em Portugal 12% das pessoas internadas por Insuficiência Cardíaca morrem antes da alta, sendo esta mortalidade claramente superior à do Enfarte Agudo do Miocárdio. No intervalo de 1 ano depois da alta de um internamento por Insuficiência Cardíaca 1 em cada 3 doentes falecerá.

 

A Insuficiência Cardíaca é uma patologia grave cuja mortalidade é maior do que a de muitos dos cancros mais comuns como o da mama, o da próstata, o do cólon e a leucemia.

 

As causas da Insuficiência Cardíaca

 

As duas causas mais frequentes da Insuficiência Cardíaca são a Hipertensão Arterial e o Enfarte Agudo do Miocárdio.

 

Em Portugal 42% dos adultos são hipertensos e ocorrem cerca de 11 000 enfartes do miocárdio por ano.

 

Os sintomas da Insuficiência Cardíaca

 

Os principais sintomas destes doentes são a falta de ar, o cansaço e os pés inchados.

 

As doenças que coexistem com a Insuficiência Cardíaca

 

Estes pacientes têm frequentemente muitas outras doenças que são agravadas pela Insuficiência Cardíaca e por seu turno também a agravam, contribuindo para um ciclo vicioso que leva a uma deterioração adicional do prognóstico. São exemplos, entre muitos outros, a diabetes, a obesidade, a dislipidemia, a apneia do sono, a doença pulmonar obstrutiva crónica, a insuficiência renal, a anemia, a depressão, etc. O tratamento destas é uma componente muito importante da abordagem da Insuficiência Cardíaca

 

As principais complicações da Insuficiência Cardíaca

 

Estes doentes são extremamente frágeis e podem não suportar a sobrecarga de situações tão triviais como, por exemplo, uma gripe. O seu coração enfraquecido, que se encontrava num equilíbrio muito precário, pode não tolerar este pequeno esforço adicional. Este pode originar um agravamento súbito da doença (descompensação da IC) levando ao internamento e à morte devido à falência da bomba cardíaca.

 

Outra complicação muito frequente é uma arritmia cardíaca chamada Fibrilação Auricular, a qual leva à formação de coágulos dentro do coração que podem causar AVCs, ou mesmo a morte do doente.

 

Podem também ocorrer arritmias malignas, como por exemplo a Fibrilação Ventricular, que pode conduzir à morte inesperada do doente em poucos minutos (designada por Morte Súbita Cardíaca), mesmo estando ele muito pouco sintomático e aparentemente estável.

 

A prevenção da Insuficiência Cardíaca

 

A prevenção desta doença tem a ver com a prevenção das suas duas causas mais frequentes: a Hipertensão e o Enfarte do Miocárdio. Assim é importante prevenir e tratar os chamados factores de risco cardiovascular: a Obesidade, a Diabetes, a Hipertensão, o Colesterol elevado, o Tabagismo, o Stress/Ansiedade/Depressão e o Sedentarismo.

 

Numa altura em que assistimos em Portugal e no mundo a um aumento exponencial da Obesidade e da Diabetes, é importante que se opere uma mudança de perceção na mente dos cidadão de tal forma a que o exercício físico seja encarado como uma necessidade orgânica a ser atendida diariamente, e que se adote de forma generalizada uma dieta apropriada e mais frugal.

 

Um esforço quotidiano em prol da manutenção da saúde surge assim como uma responsabilidade individual quotidiana, em resposta ao valor maior da lealdade para consigo próprio.

 

O tratamento da Insuficiência Cardíaca

 

A abordagem desta doença desenvolve-se em vários patamares sucessivos e complementares:

 

O tratamento não-farmacológico: deve ser extensivo a todos os doentes e tem a ver com a prática do exercício físico moderado e limitado pelos sintomas e a adoção de um estilo de vida equilibrado incluindo uma alimentação saudável.

 

O tratamento farmacológico modificador do prognóstico da doença: desde a década de 80 do século XX foram desenvolvidos medicamentos capazes de melhorar não apenas os sintomas, mas também o prognóstico, denominados bloqueadores neuro-hormonais. Muito recentemente surgiu uma nova classe, ainda mais poderosa, a dos chamados modeladores neuro-hormonais. Finalmente, outros medicamentos, específicos para o controle da frequência cardíaca, provaram também ter um impacto positivo no prognóstico. O conjunto destes fármacos constitui o núcleo atual do tratamento da Insuficiência Cardíaca.

 

O tratamento farmacológico visando o controlo da acumulação de líquidos (diuréticos) é muito relevante, dado esta ser a causa dos internamentos por insuficiência cardíaca.

 

Muitos dos doentes necessitarão, adicionalmente, da implantação de aparelhos especiais para aumentar a sincronia e a força do coração (ressincronizadores) e para tratar arritmias mortais (desfibriladores)

 

Alguns doentes mais graves serão candidatos a intervenções cirúrgicas, como por exemplo a cirurgia coronária, o transplante cardíaco ou implantação de máquinas de apoio mecânico ao coração (assistência ventricular)

 

A abordagem destes doentes por equipas organizadas, constituídas por médicos, enfermeiros e outros prestadores de saúde (denominadas Programas de Abordagem da Insuficiência Cardíaca, ou mais sinteticamente Clínicas de Insuficiência Cardíaca) mostrou reduzir os custos, os internamentos e a mortalidade.

 

A reorganização dos cuidados médicos aos doentes com Insuficiência Cardíaca em Portugal

 

Apesar das elevadas frequência e gravidade da Insuficiência Cardíaca, esta doença é, nosso País, em grande parte, ainda desconhecida pelos cidadãos e pelos decisores políticos.

 

Está atualmente em curso um movimento cívico iniciado por médicos e enfermeiros que visa reverter esta situação. Este grupo de peritos produziu recentemente um importante texto intitulado “Pela melhoria do tratamento da insuficiência cardíaca em Portugal – documento de consenso” aonde esta questão é analisada e se propõem soluções. Pretende-se envolver os médicos (Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna, Cardiologia e Medicina Intensiva), os enfermeiros, os doentes, os media, a Indústria Farmacêutica e os decisores políticos num esforço conjunto para melhorar em Portugal a prevenção e o tratamento da Insuficiência Cardíaca, bem como a organização dos cuidados de saúde nesta área crucial.

 

José Silva Cardoso, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, professor associado de Cardiologia

 

In “Jornal Económico”