Na Madeira, 240 doentes com lúpus são seguidos na Consulta de Doenças Autoimunes do Hospital dos Marmeleiros, mas estima-se que cheguem aos 350 aqueles que sofrem da doença responsável pela famosa lesão em “asa de borboleta” e que atinge maioritariamente o sexo feminino.

 

 

O lúpus é uma doença autoimune, em que o sistema imune ou imunológico – o sistema constituído pelas células, como os linfócitos e mediadores como os anticorpos –, que normalmente protege o nosso corpo, se vira contra si próprio e o ataca, provocando inflamação e alteração da função do órgão afetado.

 

Na Madeira, cerca de 240 pacientes com lúpus são seguidos na Consulta de Doenças Autoimunes do Hospital dos Marmeleiros mas estima-se que os atingidos pela doença cheguem aos 350, como revelou ao JM o seu coordenador, o médico Jorge Martins.

 

Segundo este, àquela consulta, que por ano realiza cerca de 820 atendimentos, chegam pacientes de vários pontos da ilha, das mais variadas idades, havendo, no entanto, uma maior prevalência entre os 30 e os 40 anos. Em termos de diagnóstico, a doença surge habitualmente entre os 20 e os 30 anos.

 

Apesar de não existir cura para esta doença, o coordenador da consulta lembra que isso não significa que seja sinónimo de morte prematura. É que, apesar do lúpus ser uma doença para toda a vida, tem fases em que a doença se encontra inativa e fases em que se torna mais reativa. Agora, ressalva, se a doença atingir o cérebro, o coração e o rim pode ser fatal para o paciente.

 

Podendo afetar muitos órgãos A borboleta é o símbolo do lúpus devido à mancha característica que ocorre no rosto e que faz lembrar as suas asas. e sistemas diferentes, em especial a pele e articulações, existem formas muito diferentes da doença e os sintomas variam de doente para doente. «Cada caso é um caso», alerta Jorge Martins, salientando que é por esta razão que o diagnóstico de lúpus é, em alguns casos, difícil de se obter apesar de haver fortes suspeitas doença. Nestes casos, só o desenvolvimento da situação clínica e os sintomas referidos pelos doentes é que ditarão o resultado.

 

Outro aspeto a ter em conta quando se fala em lúpus é que a doença, embora possa desenvolver complicações muito graves e que exigem intervenção urgente, Jorge Martins garante que as terapêuticas atuais permitem dar à maior parte dos doentes uma boa qualidade de vida. Tudo depende do rigor com que os doentes conduzem os tratamentos.

 

Uma doença mais “feminina” Pela incidência que a doença tem no sexo feminino, pode-se dizer que o lúpus é uma doença de mulheres. Apenas um em cada dez casos diagnosticados é do sexo masculino e a doença surge especialmente nas idades férteis das mulheres.

 

Contudo, há crianças que, desde tenra idade, já começam a ter sintomas da doença.

 

Tal como acontece nos adultos, nas crianças os órgãos vitais como coração, rins, fígado e cérebro podem ser afetados.

 

Também sintomas de febre e vermelhidão na pele, especialmente na face, estão entre os sintomas mais comuns na infância.

 

Tanto nas crianças como nos adultos, o tratamento é feito geralmente com medicamentos imunossupressores, fármacos que fazem o organismo parar de lutar contra si mesmo.

 

Contudo, alerta Jorge Martins, esse tipo de medicamento tem dois problemas: o primeiro é que, ao suprimir o sistema imunológico, deixa a porta mais aberta para outras doenças e infeções, o segundo é que traz efeitos colaterais.

 

É por esta razão que os doentes com lúpus costumam tomar vários medicamentos ao mesmo tempo. Um “ataca” diretamente a doença enquanto outros previnem as consequências nocivas do primeiro.

 

A doença na gravidez

 

Embora no passado ter lúpus fosse, para as mulheres portadoras da doença, sinónimo de não poderem engravidar, atual- “Se a doença estiver controlada e monitorizada, não atrapalha a vida das mulheres em período fértil. mente essa ideia já está completamente ultrapassada.

 

Jorge Martins garante que, se a doença estiver «controlada e monitorizada adequadamente», não atrapalha a vida das mulheres em período fértil.

 

Contudo, aponta, caso uma mulher lúpica engravide, esta vai precisar tomar mais cuidados em comparação com uma mulher saudável.

 

O primeiro passo começa antes da conceção. A gravidez tem de ser planeada porque a doença precisa estar inativa por cerca de seis meses antes da conceção para evitar riscos para a mãe e a criança.

 

Embora exista uma pequena hipótese de ocorrer abortos espontâneos em mulheres lúpicas, na maioria parte dos casos, as gravidezes decorrem normalmente e os bebés nascem saudáveis.

 

A este respeito, Jorge Martins esclarece quem, apesar de existir uma predisposição familiar, o lúpus não é considerada uma doença hereditária no sentido clássico da palavra, o que significa que uma mulher grávida não “passará” para o filho a doença.

 

Mesmo assim, adianta, há uma situação que poderá acontecer durante a gestação que é o desenvolvimento de um bloqueio cardíaco, devido à presença de um anticorpo no sangue da mãe que passa pela placenta e afeta o coração do bebé. Esse mesmo anticorpo também pode causar uma situação chamada lúpus neonatal, na qual o bebé nasce ou desenvolve manchas semelhantes com as de quem tem lúpus. Todavia, essas manchas são temporárias e a criança não desenvolve lúpus propriamente dito. JM

 

 Principais sintomas do lúpus

 

Muito dos sintomas e sinais físicos ou laboratoriais são inespecíficos quando se fala de lúpus.

 

Contudo, existem sintomas específicos e que levam ao diagnóstico: cansaço; perda de apetite; fortes dores de cabeça; manchas no rosto (sobretudo nas bochechas e nariz, em forma de borboleta), pescoço ou braços; manchas vermelhas em forma de disco e que podem deixar cicatriz; excessiva sensibilidade à luz solar; perda de cabelo acentuada; dores nas articulações (sobretudo de manhã) e, por vezes, acompanhadas de rigidez e dificuldade nos movimentos.

 

Poderá também ocorrer inflamação da pleura (revestimento dos pulmões) e do pericárdio (revestimento do coração) que se manifesta por dor torácica e ainda problemas de funcionamento dos rins.

 

Nos doentes com lúpus pode haver também o aumento da frequência de infeções e hemorragias.

 

Embora todos estes sintomas possam existir no mesmo doente, noutros casos só alguns existem numa determinada fase e num mesmo doente.

 

Mas, recorde-se, «cada doente é um caso», como fez questão de afirmar nesta reportagem o médico Jorge Martins. JM

 

Diagnóstico deste tipo de doença nem sempre é fácil de aceitar

 

«É importante que estes doentes falem dos seus medos»

 

Segundo a psicóloga Lúcia Ferreira, a intervenção psicológica, num doente que acaba de receber o diagnóstico de uma doença crónica ou grave, «é fundamental e deve sempre acompanhar o tratamento farmacológico, pois se o segundo trata os sintomas e eventual agravamento da doença o primeiro ajuda os doentes a conseguirem conviver com essa mesma doença, dando-lhes a qualidade de vida emocional que nenhum fármaco consegue dar»

 

Esta especialista refere que, «associados à doença surgem muitos medos relacionados com diversos itens da vida dos doentes, nomeadamente a incerteza do futuro, o medo da dependência de terceiros, o medo da dor, o medo até da morte».

 

Exemplificando com uma paciente sua com síndrome de Sjogren, cujo filho faleceu com leucemia aos 5 anos, Lúcia Ferreira conta que essa mulher assumiu que era culpada pela morte do filho pelo facto de ter uma doença autoimune. Outro caso, o de um jovem adulto com diabetes “O trabalho conjunto entre psicólogo e médico assistente do doente é fundamental para que as intervenções sejam realmente eficazes. tipo 1, recusava-se a ser pai com medo que os seus filhos herdassem a sua doença. Também uma jovem mulher com artrite reumatóide tinha medo de ficar de-

 

A consulta de psicologia «permite precisamente os desabafos, a expressão de preocupações e medos». pendente fisicamente do seu marido, não querendo ser um “empecilho” na sua vida. «Nestes casos, e muitos outros, a intervenção psicológica tem como prioridade ajudar estes doentes a aceitarem e conviverem com a doença, desmistificando os tabus e medos a ela associados». Por isso, salienta, «é importante que estes doentes falem dos seus medos, que chorem caso necessitem, que se permitam a sofrer e não estejam sempre com uma atitude de coragem para não preocuparem terceiros». A consulta de psicologia «permite precisamente os desabafos, a expressão de preocupações e medos, sendo dada a estes doentes uma visão diferente e mais real da sua doença», ressalva a psicóloga, concluindo que «o trabalho conjunto entre psicólogo e médico assistente do doente é fundamental nestes casos para que as intervenções (psicológica e farmacológica) sejam realmente eficazes, proporcionando aos doentes e familiares boa qualidade de vida». JM © DR

 

Famosos que sofrem de lúpus

 

São vários os rostos conhecidos que já vieram a público dizer que sofriam de lúpus.

 

 Selena Gomez, cancelou a sua digressão em 2016 devido a uma crise de lúpus. A cantora sofre há muitos anos desta doença e, de acordo com o seu avô, essa foi uma das razões que fez a jovem cantora, estrela durante muitos anos do canal da Disney, enveredar pela carreira artística.

 

Lady Gaga também revelou num programa televisivo que num exame médico descobriu ser portadora da doença.

 

Também a apresentadora brasileira Astrid Fontenele relevou nas redes sociais que sofria de lúpus e que a doença estava atacando os seus rins.

 

Toni Braxton, estrela da música dos finais dos anos 90, assumiu que tinha lúpus depois de ter estado internada no hospital para tratar de algumas inflamações causada pela doença.

 

Seal, cantor e ex-marido da modelo Heidi Klum tem cicatrizes no rosto que decorreram de um tipo de lúpus, identificado como eritematoso discoide, que afetou a sua pele.~

 

Também Nick Cannon, apresentador e ex-marido de Mariah Carey, revelou que, há alguns anos, foi-lhe diagnosticado um tipo de lúpus. Nas redes sociais, chegou a dizer que se sentia “abençoado” por estar vivo e que «se o problema não tivesse sido descoberto, eu não sei o que poderia ter acontecido».

 

Jorge Martins aguarda pela implementação de uma unidade já aprovada pela direção clínica Dois anos à espera da Unidade

 

O médico Jorge Martins é um dos rostos mais visíveis quando se trata de doenças autoimunes na Madeira.

 

Para além de ser o coordenador da Consulta de Doenças Autoimunes do Hospital dos Marmeleiros e representante na Madeira da Associação Portuguesa dos Doentes com Lúpus, este médico luta, há já alguns anos, para que seja implementada a Unidade de Doenças Autoimunes.

 

É que, embora a Unidade Graham Hughes de Doenças Autoimunes já tenha sido aprovada pela direção clínica em 2015, quase dois anos volvidos, Jorge Martins continua à espera da sua concretização.

 

Lamentando este hiato e a “resistência” que está a haver por parte da direção clínica em efetivar a consulta para uma unidade, Jorge Martins lembra as desvantagens inerentes à sua não execução.

 

Tendo em conta que, por norma europeia, terão de começar “A doença é para se diagnosticar, a doença não se trata. O que se trata são as pessoas. em breve a funcionar os centros de referência e que, só pode ser considerado centro de referência se já for uma unidade, pelo menos em termos teóricos, a equipa liderada por Jorge Martins não vai poder tratar determinados doentes e será forçada a enviá-los para os centros de referência do continente (Porto ou Lisboa), representando mais encargos para o Serviço Regional de Saúde. CONGRESSO EM MARÇO

 

No início do próximo mês © Albino Encarnação de março, Jorge Martins vai participar, como orador convidado, no Congresso Mundial de Lupus em Melbourne, Austrália.

 

Neste evento, o médico (o único português no evento) fará uma intervenção baseada na importância do cuidado que deve haver na terapêutica do doente com lúpus, levando um pouco da experiência e diversidade de tratamentos efetuados na sua consulta nos Marmeleiros, a qual, refira-se, já resultou na publicação de vários artigos em revistas científicas de todo o mundo.

 

«Com as alternativas terapêuticas que nós temos, e sendo o lúpus uma doença tão multifacetada é importante que os médicos não tratem a doença mas sim o doente», refere o especialista, salientando que «a doença é para se diagnosticar, a doença não se trata», alerta, salientando que é preciso haver muita atenção para as normas de orientação clínica atribuídas a estas doenças.

 

Aliás, é por esta razão que Jorge Martins defende que devem ser os internistas a tratarem estes doentes porque «têm de ser médicos que estejam habituados a tratar qualquer órgão ou sistema».

 

 «O modo de como de estimula o conhecimento passa pelas pessoas passarem por problemas e é por isso que eu acho que, na formação, as pessoas devem passar pelo maior número de sítios e pelo maior número de doentes», conclui o médico. JM

 

 “Madeira Lupus Clinic” 2018 já tem programa A

 

Consulta de Doenças Autoimunes do Serviço de Medicina Interna do Hospital dos Marmeleiros e o Núcleo de Estudos de Doenças Auto-Imunes (NE- DAI) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) já têm preparado o encontro de 2018 do “Madeira Lupus Clinic”.

 

Assim, entre os dias 21 e 22 de junho de 2018, o Funchal voltará a acolher (fê-lo em 2016) alguns dos mais reconhecidos especialistas nacionais e internacionais desta área clínica.

 

De acordo com o programa, cuja comissão organizadora é presidida pelo médico Jorge Martins, a sessão de abertura estará por conta do médico internista Faustino Ferreira, seguida da intervenção do responsável pelo The London Lupus Centre, Graham Hughes.

 

«Alertar os colegas para os pequenos sinais que os podem levar a pensar que estamos perante um lúpus eritematoso sistémico, para que possamos evitar, com o avançar da doença, lesões mais graves e irreversíveis nos doentes», é um dos grandes objetivos deste encontro dirigido a internos e jovens especialistas de Medicina Geral e Familiar, Neurologia, Cardiologia, Gastrenterologia, Dermatologia, Hematologia, Oftalmologia, Medicina Interna e Reumatologia.

 

“Atualmente, o grande desafio é identificar o momento exato em que é necessário começar a utilizar as novas terapêuticas”, frisa.

 

Lúcia M. Silva

 

Fonte: Jornal da Madeira