No Serviço de Pedopsiquiatria realizaram-se, no último ano, cerca de 4 mil consultas de pedopsiquiatria e mais de três mil de psicologia, segundo os números divulgados ao JM. São vários os problemas de saúde mental que afetam os jovens. A fobia à escola é frequente.

 

Setenta e cinco crianças/adolescentes deram entrada, este ano e por questões de saúde mental, na Pedopsiquiatria do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM). Segundo dados estatísticos, aquele serviço, liderado por Gabriela Saldanha, registou em 2015 cerca de 4 mil consultas de pedopsiquiatria e perto de 3.100 de psicologia. Este ano, e até setembro, foram feitas 2.266 consultas de pedopsiquiatria e 2.368 de psicologia. Mas o Serviço está com menos um psicólogo.

 

Estes números foram divulgados ao JM por Maria da Paz Saldanha, uma das pedopsiquiatras que constituem a equipa de 3 médicos, 4 quatro psicólogos e outros profissionais de saúde do Serviço de Pedopsiquiatria do SESARAM, que funciona no edifício novo do hospital Dr. Nélio Mendonça mas que se estende, em prestação de serviços, por toda a unidade hospitalar (dando apoio às crianças e adolescentes internadas).

 

Além disso, a unidade de internamento para crianças e adolescentes com problemas de saúde mental funciona, através de protocolo, no Centro de Reabilitação Psicopedagógico da Sagrada Família, onde os profissionais do Serviço de Pedopsiquiatria deslocam-se regularmente para acompanhar as crianças ali internadas e que ocupam 12 camas. Nesta unidade, existe uma equipa de profissionais, enfermeiros e outros técnicos que, juntamente como Serviço de Pedopsiquiatria, acompanha as crianças e adolescentes que precisam de internamento e que ficam instaladas na Unidade de São Rafael até que os seus problemas sejam solucionado

 

Recentemente, um estudo publicado ao nível nacional dava conta que o número de crianças e adolescentes com problemas de saúde mental estava a aumentar em Portugal.

 

Maria da Paz Saldanha e Célia Gonçalves (psicóloga), que nos receberam no Serviço de Pedopsiquiatria do SESARAM, explicaram-nos que o que acontece é que a sociedade em geral está mais doente.

 

«Se está mais doente a todos os níveis, também poderá estar mais doente ao nível da mente. Mas não se pode dizer que o número de casos aumentou», considerou Maria da Paz Saldanha. A pedopsiquiatra diz que nem sempre a unidade está cheia. Neste momento, por exemplo, há dois internamentos.

 

No entanto, o número de casos e a duração de cada internamento varia dependendo da natureza e gravidade da situação.

 

A grande maioria dos casos tem a ver com problemas comportamentais. Muitos dos que são internados, e até mesmo daqueles que procuram consulta de pedopsiquiatria e ou psicologia, vão por problemas de ansiedade e depressão. No geral, a fobia à escola e ansiedade social são as que se apresentam como mais comuns nas crianças e jovens. Tanto Maria da Paz Saldanha como Célia Gonçalves confirmam que é no fim do ano lectivo que há mais internamentos (altura de exames).

 

As profissionais de saúde adiantam-nos que, entre as crianças, o internamento é menos frequente, mas quando acontece é mais com meninos. Já na fase da adolescência, as raparigas são em maior número. Enquanto nos meninos os problemas de comportamento são mais comuns, junto das raparigas há muitas situações de depressão, de alterações de comportamento alimentar e de ansiedade.

 

Refira-se que o Serviço de Pedopsiquiatria está de prevenção também nas urgências e é com frequência que é chamado para atender crianças e adolescentes, sobretudo para ir tratar ataques de pânico.

 

Em muitos casos, os pediatras conseguem resolver a situação. «Cada caso é um caso. Depois, os pediatras vêem se é a primeira vez que tal acontece, se não. É feita uma avaliação. É preciso ver o que está por detrás de um ataque de pânico. Se há família, se há acompanhamento. Enfim, um sem número de coisas», afirma a médica.

 

Muitas vezes, os casos que passam pelas urgências são solucionados ali. Outras, por exigirem uma intervenção mais aprofundada, são encaminhados para o Serviço de Pedopsiquiatria. Neste Serviço, há uma triagem. Há casos que não necessitam de medicação e que conseguem solução com apenas acompanhamento psicológico, enquanto outros vão mesmo a consultas médicas.

 

Muitos dos jovens que chegam ao Serviço de Pedopsiquiatria vão por sua iniciativa. Mas a grande maioria é pressionada pela família. «O adolescente tem por hábito oferecer alguma resistência», conta a psicóloga Célia Gonçalves. Maria da Paz Saldanha subscreve, realçando que é o típico daquela idade. Ainda assim, estabelecendo uma relação de confiança entre os terapeutas e os jovens, estes sentem-se compreendidos e participam mais facilmente no processo de ajuda.

 

Quanto ao tempo que é necessário para a “resolução” de um problema de saúde mental numa criança e adolescente, é óbvio que tudo varia conforme a situação, o jovem em si e o tempo que foi levado para o diagnóstico. Ainda assim, Maria da Paz Saldanha admite que as perturbações de ansiedade são aquelas que levam mais tempo a “trabalhar”. Exemplifica também com casos cujas famílias só vão procurar ajuda médica e psicológica quando a sua criança /adolescente já está, por exemplo, a faltar à escola há cerca de dois anos.

 

A médica admite que «há lista de espera» mas refere que este é um dos melhores do País.

 

«O ideal seria termos 5 pedopsiquiatras. Só temos 3. Mas os médicos e a restante equipa estão a fazer trinta por uma linha para prestar o melhor acompanhamento e chegar a cada vez mais rapazes e raparigas», assegura. Além do mais, a médica frisa que aqueles jovens que estão em lista de espera correspondem a casos de perturbações ligeiras. JM

 

Jovem com «agorafobia» diz que até a  dormir tem ataques de pânico

 

«Sair à rua é, para mim, um grande problema»

 

João Pestana (nome fictício),com 18 anos, começou, há pouco mais de um ano, a ter ataques de pânico quando saía com amigos para o meio de multidões. Não se dava bem em festas. Viu depois esse medo evoluir para espaços menos movimentados, como uma simples ida à praia. Deixou, posteriormente, de conseguir, sequer, irão café com amigos.

 

Este medo foi tomando uma dimensão cada vez maior até que chegou o dia em que João Pestana optou por isolar-se em casa.

 

Deixou de querer sair com amigos, de querer ir à escola. Confrontado com esta situação,© DR João Pestana foi recusando sempre ajuda, alegando que era uma fase, falta de vontade de estudar ou problemas com a namorada.

 

No entanto, no seu quarto, o jovem lutava diariamente como coração que disparava sem qualquer motivo aparente, suores frios e falta de ar. Sentia também muita fraqueza. Houve um dia em que João Pestana não conseguiu mais esconder este seu problema. Até porque acordou, de madrugada, e sem estar a sonhar ou haver qualquer assunto que o estivesse a incomodar, com «o coração a bater na boca». Sentiu que ia morrer. Foi ao hospital e logo submetido a exames ao coração. Feito o diagnóstico, disseram-lhe que tinha de aguardar pelo psiquiatra. João Pestana sofre de «agorafobia». Está medicado e a terá acompanhamento psicológico. Não gosta nada de falar sobre o assunto mas admite que a sua vida tem ficado muito limitada por causa deste mês, que acredita vai conseguir superar em pouco tempo. A agora fobia é baseada numa preocupação persistente sobre qualquer possibilidade de vir a ter ataques de pânico ou perder o controle em público. Mas atenção: a agorafobia não é a mesma que fobia social. JM

 

Rúben Sousa sobre as perturbações nas crianças e adolescentes

 

 Medos, fobias e de pressão: as mais frequentes

 

As perturbações mais comuns nas crianças e adolescentes são, segundo o psicólogo Rúben Sousa, as de comportamento, a hiperatividade/ défice de atenção, as dificuldades de aprendizagem, os medos e fobias, a depressão, a enurese (dificuldade em controlar a urina) e encoprese (dificuldade em controlar as fezes).Os problemas de comportamento podem, conforme nos adianta, surgir em qualquer idade, sendo que os mais comuns na infância são os de oposição e desafio (birras, bater, morder, dar pontapés, são alguns exemplos), e na adolescência os comportamentos desajustados (como mentiras, furtos, fugas) e os comportamentos de risco (consumos de substâncias tóxicas, relações sexuais não protegidas, participação em assaltos, atos de vandalismo, crueldade para pessoas ou animais).

 

Quanto à Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção(PHDA), é importante ter em consideração que as crianças pequenas são naturalmente agitadas, irrequietas e barulhentas, e que nem sempre isso significa que acriança seja hiperativa. Relembre-se que a taxa de prevalência da PHDA em Portugal é inferiora 5%. As crianças com PHDA têm uma sucessão de comportamentos intensos / enérgicos, que geralmente interferem no dia-a-dia, por exemplo, com o seu desempenho escolar e com a sua capacidade de adaptação social. São crianças naturalmente agitadas e incapazes de estar paradas; falam sem parar, interrompem com frequência pelo que têm muitas dificuldades em esperar pela sua vez; distraem-se facilmente e não conseguem terminar as tarefas que começam; são muito impulsivas e não pensam antes de agir .Rúben Sousa destaca a importância dos cuidados de saúde primários para evitar o agravamento dos problemas de saúde mental.

 

Rúben Sousa realça que as perturbações de ansiedade encontram-se entre as que mais cedo se manifestam, com uma idade média de início por volta dos 11anos e são as de maior prevalência dentro da psicopatologia infantil.

 

«Os medos e as preocupações são de facto frequentes na infância, e isso não é necessariamente problemático, pois são situações transitórias e facilmente ultrapassáveis», adianta.

 

O problema existe é quando essas preocupações ou medos da criança são demasiado intensos e mantêm-se por longos períodos, interferindo no seu quotidiano.

 

«Sabendo-se que muitas das perturbações mentais na idade adulta têm início na infância ou adolescência, fica óbvio que os cuidados de saúde primários desempenham um papel fundamental na sua avaliação, intervenção ou encaminhamento para outros serviços de saúde especializados», afirma o psicólogo.

 

Fonte: Jornal da Madeira