Em entrevista ao Saúde Online, Filipa Serra, endocrinologista dos Hospitais CUF, explica a origem da doença, os sintomas e o tratamento associados.

 

 

Hipotiroidismo: Endocrinologista Filipa Serra explica o que precisa de saber acerca da doença

 

Saúde Online | O que é e para que serve a tiroide?

 

Dra. Filipa Serra | A tiroide é uma glândula localizada no pescoço e que todos – homens e mulheres – temos. Produz as hormonas tiroideias, essencialmente duas – a hormona T4 e a hormona T3 -, que são responsáveis pela regulação do nosso metabolismo. Na infância, são importantes também para o crescimento. Durante toda a nossa vida, é importante para a regulação do metabolismo, portanto, a regulação de todos os órgãos e sistemas.

 

A desregulação da tiroide pode levar a que tipo de problemas?

 

FS | Falando propriamente do hipotiroidismo, vai haver uma redução da produção das hormonas – da T4 e da T3 – e, portanto, isso vai levar a uma série de sintomas. O contrário chama-se hipertiroidismo, consiste num excesso de produção destas hormonas. O hipotiroidismo é bastante mais frequente, é uma doença comum a nível mundial. A prevalência ronda os 5% na população geral e na população com mais de 65 anos pode chegar aos 10%.

 

O hipotiroidismo pode levar a uma diminuição do peso?

 

FS | O que causa uma diminuição do peso é o hipertiroidismo. O hipotiroidismo está mais associado a um ligeiro aumento do peso – é um dos sintomas que pode ocorrer. Isso também é importante desmistificar porque, às vezes, associa-se a desregulação da tiroide à obesidade. Não é bem assim. Normalmente, há uma redução do metabolismo, menor apetite e uma retenção hídrica, o que pode predispor para um ligeiro aumento do peso.

 

Outros sintomas associados ao hipotiroidismo são o cansaço, falta de energia, pele mais seca, queda de cabelo. As pessoas podem também sentir-se mais tristes e terem mais tendência para depressão. Nas mulheres, pode levar a uma irregularidade menstrual e ser uma causa de infertilidade. Também surge uma intolerância ao frio. A nível de colesterol, quando há um aumento do colesterol deve ser pesquisada a disfunção tiroideia, porque pode haver um aumento do mau colesterol e, portanto, um aumento do risco cardiovascular.

 

Esta doença afeta sobretudo os mais velhos ou pode surgir em qualquer idade?

 

FS| Pode surgir em qualquer idade. O hipotiroidismo congénito, que é uma doença mais rara surge desde o nascimento. Todos os bebés, quando nascem, fazem o rastreio [para despistar esta doença], que faz parte do teste do pezinho. A idade em que mais aparece é realmente acima dos 60 anos. Contudo, quando falamos da causa autoimune – que é a principal causa de hipotiroidismo -, ela pode ocorrer em qualquer idade. É, por exemplo, muito comum o diagnóstico durante ou após a gravidez, até porque existe uma grande suscetibilidade nesta fase para tudo o que são doenças autoimunes.

 

Pode aparecer tanto em homens como em mulheres, mas é bastante mais comum em mulheres porque, sendo a causa autoimune a mais comum – e tal como outras doenças autoimunes -, afeta sobretudo as mulheres.

 

Dizia-me que a prevalência do hipotiroidismo a nível mundial ronda os 5%. Portugal está em linha com esse valor?

 

FS| Sim. Há um estudo relativamente recente, de 2017, e em que parece estar exatamente nesses valores. Pode chegar aos 10% nas idades mais avançadas. Dentro do hipotiroidismo temos o hipotiroidismo clínico, em que as pessoas têm sintomas, e o hipotiroidismo subclínico, em que pode haver já alguns sintomas mas [regista-se] sobretudo uma alteração a nível laboratorial. Quando diagnosticamos o hipotiroidismo,pedimos análises: a TSH, a T4 e, nalguns casos, a T3. Nos hipotiroidismos subclínicos, temos valores ainda normais mas temos um aumento da TSH, no fundo a dar-nos um alerta de que a tiroide não está a funcionar bem. Nesta fase é importante fazermos o diagnóstico, procurarmos a causa e, eventualmente, tratar em alguns casos.

 

Em relação ao hipertiroidismo, é mais raro, afeta uma percentagem menor da população. É também mais sintomático: geralmente, as pessoas procuram o médico mais cedo porque os sintomas são mais exuberantes.

 

No hipotiroidismo, muitas vezes, numa primeira fase (e sobretudo em doentes mais jovens), pode passar despercebido, dependendo da magnitude, e podem não ser valorizados os sintomas, porque o cansaço ou a falta de energia são também comuns a outras patologias. Em casos mais graves, sobretudo nas idades mais avançadas, o quadro pode ser mais grave: pode chegar mesmo a coma.

 

Aqui o importante é alertar para algumas populações de risco, populações que mesmo sem sintomas devem fazer um rastreio. Eu falei das doenças autoimunes, e essa é a principal população [a ter em conta]. A tiroidite autoimune é a principal causa de hipotiroidismo mas temos também outras doenças que estão muito associadas ao hipotiroidismo, como o lúpus, a artrite reumatoide, a doença celíaca, o vitiligo. Estas pessoas devem fazer o rastreio e também familiares em primeiro grau de pessoas que tenham doenças da tiroide ou doenças autoimunes.

 

Portanto, existe uma relação genética? O hipotiroidismo pode ser hereditário?

 

FS | Exatamente. Quando falamos com uma pessoa com hipotiroidismo de causa autoimune, é bastante comum a pessoa referir que tem uma mãe ou uma tia que também tem. Quando falamos da doença autoimune, o que faz com que esta doença apareça, é um conjunto de fatores genéticos mas também ambientais. As doenças autoimunes surgem, por exemplo, em períodos de maior stress ou na gravidez. Quando falamos nas outras causas de hipotiroidismo, como a radioterapia, aí temos de perguntar à pessoa se foi submetida a radioterapia do pescoço, por outros motivos (como neoplasias). É também importante perguntar quais os fármacos que a pessoa faz, porque há alguns  que podem levar a disfunção tiroideia, nomeadamente um que é muito utilizado no tratamento da arritmia, a amiodarona.

 

Sendo assim, existe forma de prevenir a doença?

 

FS| O inicio da doença é imprevisível e, por isso, não podemos falar propriamente numa prevenção. No entanto, devemos estar alerta para os doentes que têm um risco maior de desenvolver a doença e esses doentes devem fazer uma vigilância e tratar o mais precocemente possível.

 

Qual é a forma tratamento mais utilizada?

 

FS | O tratamento do hipotiroidismo faz-se com a reposição hormonal, geralmente com a levotiroxina, que é um comprimido que se faz em toma única todos os dias, em jejum. E normalmente verificamos uma melhoria rápida.

 

Não há, portanto, necessidade de recorrer à cirurgia?

 

FS| As pessoas que tenham sido submetidas a uma cirurgia da tiroide vão ter um hipotiroidismo devido à cirurgia, ou seja, à ausência da tiroide. Portanto, o hipotiroidismo é que é consequência da cirurgia e não o contrário. A cirurgia pode acontecer em pessoas que têm nódulos na tiroide ou hipertiroidismo, que desenvolvem hipotiroidismo que deve ser tratado com a reposição hormonal.

 

 

 

In “Saúde Online”